quinta-feira, 26 de março de 2009

Olhos por todos os lados

Ainda no Brasil me avisaram para ter muito cuidado na hora de perguntar sobre o cotidiano das pessoas em Cuba.
Na terra de Fidel, todos sabem, há 'olheiros' em todos os cantos e o povo cubano sabe onde o calo dói, não fica se expondo por aí, falando o que não deve.
Então cheguei cheia de dedos, procurando observar mais do que falar. Eu, repórter por doze anos, tenho essa mania de sair perguntando tudo. As vezes sou até indiscreta sem perceber. Ossos do ofício. Mas em Cuba eu me controlei, pelo menos no início.
Logo nos primeiros dias percebi que os cubanos são muito alegres, gostam de conversar, sabem muito sobre cultura, música, novelas e filmes brasileiros e procuram falar conosco sobre nosso universo. Então esses foram os temas das conversas iniciais.
Sobre política, educação, saúde, só conversei com uma pessoa, que por sinal é uma colaboradora do Governo e dela tive as melhores impressões possíveis.
Mas lá pelo sexto dia em Cuba, depois de perceberem que eu não era alguém perigoso, foi possível escutar revelações.
Sim, o Cubano tem consciência que é um povo que tem oportunidade de estudar, lá ninguém paga aluguel. O gás de cozinha, a energia elétrica e a água encanada das casas, tudo é muito barato se comparado com o Brasil. Vi um casal que se separou e os dois eram mesmo amigos. O governo deu casa para os dois, dá comida aos dois, mantém a filha com a melhor educação possível, então eles não tem porque brigar. O amor acabou. Cada um seguiu seu rumo. E são amigos. No Brasil a maior parte das brigas é por conta de pensão e partilha de bens. Mas há quem esteja triste. Encontrei pessoas que se sentem  impotentes por não terem condições de escolher onde morar, que se sentem mal remuneradas pelo trabalho que desempenham e que se queixam de não terem oportunidade de empregos melhores.
Conheci uma moça que estava se preparando pra casar com um senhor, pelo menos 30 anos mais velho que ela, e sem fazer pré-julgamentos, percebia-se que era a oportunidade de mudança, porque ela era cubana e ele era italiano e a levaria embora.
Uma outra moça, com menos atributos físicos que a jovem sortuda, me disse: 'tudo o que eu queria era alguém que me levasse embora'. Ela estudou, mas por falta de oportunidade estava trabalhando como empregada doméstica.
Conheci um moço que também estudou, mas que no momento, também estava em um emprego mal remunerado. Conhecia a Itália, pois tinha parentes que pagaram a passagem dele naquele país. Conhecia outros universos e sabia que Cuba o limitava muito. Tinha consciência do embargo, do quanto a economia cubana era prejudicada e por consequência, quem sofria era o povo. E discordava de muita coisa do regime cubano.
Eu ouvi aquelas confissões e me perguntei: meu Deus, que diferença faz a educação de um povo. Pois você conversa com pessoas que estão nas mais diferentes funções, situações, e percebe uma capacidade para análise e reflexão, um elevado conhecimento político, que no Brasil não se acha fácil.

Um comentário:

  1. No Brasil, pessoas que tiveram oportunidade de estudar, fazer uma faculdade, muitas vezes também ficam desempregadas ou atuam fora da área de formação para não perder a oportunidade. Mas o que me irrita mesmo é que aqui os brasileiros se negam a realizar certos tipos de trabalho e aí se mandam pro exterior para trabalhar como como babá, doméstica ou carpinteiro... Não estou desmerecendo o trabalho de ninguém, mas acho engraçado como as pessoas esquecem seus preconceitos rapidinho em troca do dinheiro. E quando veem passar férias, nem se arriscam dizer qual profissão exerceu lá. O que vale é a pompa :p

    Favuca

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